segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A Caixa de Pandora

As Lendas são as formas mais simples de manter e ensinar os mistérios da Arte. Através de pequenos contos ou formas simbólicas de representar um acontecimento os povos vêm durante as eras ensinando sua cultura, suas religiosidades, e criando uma forma bonita e fácil de manter vivo o conhecimento na mente das pessoas, até daquelas que não dispõem de um bom nível educacional.
As lendas são uma forma direta de passar ensinamentos, ou de embelezar suas crenças, às vezes criamos lendas para coisas que possuem uma explicação direta e simples, mas como a lenda nos obriga a refletir e indagar, os sacerdotes possuem uma preferência por ensinar os neófitos através de lendas. Logo, quando ler algum conto dedique tempo para uma boa reflexão e tente encontrar ali ensinamentos, pois com certeza todas as lendas possuem informações importantíssimas.

Particularmente gosto da lenda da caixa de pandora por muitos motivos, mas o que eu acho mais interessante é que muitas pessoas ja ouviram falar, até citam "você abriu a caixa de pandora", mas nunca leram ou ouviram a lenda. Então, aqui está...

A Caixa de Pandora
Epimeteu era  irmão de Prometeu, o  titã que modelou o primeiro homem do barro. No entanto, este, por desavenças com Júpiter, acabara por incorrer na sua ira.
          Temendo  que  Júpiter  viesse  a  querer  se  vingar  dele  ou  do  gênero  humano,  Prometeu decidiu um dia alertar o seu desavisado irmão:
          — Epimeteu, tome cuidado com os presentes que receber de Júpiter — disse Prometeu, chamando-o para um canto. —  Já há algum  tempo que ele anda  furioso comigo, porque ousei roubar o FOGO dos céus para levá-lo aos homens.
          Epimeteu escutou com atenção as palavras judiciosas do irmão e logo as esqueceu com o mesmo empenho.
          Enquanto isso, no Olimpo, Júpiter já havia ordenado a Vulcano — que tinha também as suas veleidades de artífice — que criasse uma nova criatura, uma parelha para o homem.
          — Deixa comigo — disse o deus das forjas.
          Fechando-se em sua fuliginosa oficina com a deusa Minerva, os dois entregaram-se com extraordinário denodo à interessante tarefa. Decorrido algum tempo, a obra estava pronta.
          — Nunca nada de mais perfeito saiu de suas talentosas mãos, excelente Vulcano! — disse Minerva, entusiasmada.
          — Graças a você, cara amiga, que me auxiliou com seus proveitosos conselhos! — disse Vulcano, devolvendo o elogio.
          Diante dos dois  estava um  linda mulher, quase  tão bela quanto a mais bela das deusas. Seus olhos era azuis como o mais límpido céu e de sua boca vermelha e úmida partia um hálito fresco  e  perfumado.  Sua  pele  era macia  como  o mais macio  dos  veludos  e  recobrindo-a  por inteiro havia ainda uma delicada penugem, que lembrava em tudo a maciez da casca do pêssego. Seus  membros,  por  sua  vez,  eram  delicadamente  proporcionados,  tendo  sido  exilada  deles  à força,  em proveito da  graça. A  frente do peito da  encantadora  criatura, Minerva  coloca-n dois pomos que tinham o prodígio de serem, ao toque, ao mesmo tempo macios e firmes, coroando-os  ainda,  num  requinte  de  perfeição,  com  duas  delicadas  protuberâncias,  que  lembravam  duas pequenas cerejas.
          Suas curvas eram perfeitas. De cada flanco do corpo desciam duas linhas curvas voltadas para  dentro,  expandindo-se  somente  à  altura  da  cintura  para  dar  lugar  a  um  estonteante panorama, tendo ao centro um triângulo hermético, que guardava dentro de si todos os segredos da vida e de sua procriação.
          — Vamos, levemos já nossa invenção a Júpiter, para que ele nos dê logo a sua aprovação! — disse Minerva, tão confiante que já dava por certa a aprovação de seu exigente pai.
          E não foi de outra maneira. Tão logo o deus dos DEUSES pôs os seus olhos sobre a nova criatura, eles encheram-se de um brilho intenso.
          — Vulcano  e Minerva, vocês  excederam-se  em  tudo o que  se  refere  à beleza! — disse Júpiter, aplaudindo com entusiasmo a obra que tinha diante de si.
          — Batizamos ela de Pandora, meu pai — disse Minerva. — O que acha deste nome?
          —  Pandora,  Pandora  —  repetiu  Júpiter,  deliciado.  —  Tem  um  som  volátil,  alado... Magnífico!
          Antes, porém, de dispensar a criatura, chamou-a a um canto.
          —  Venha  cá,  Pandora,  tenho  um  presente  para  você.  Quero  que  você  leve  isto  aos mortais como sinal de meu apreço por eles — disse Júpiter, entregando-lhe uma caixa dourada, ricamente trabalhada com arabescos e filigranas de prata.
          Pandora arregalou os olhos ao ver diante de si aquele presente tão magnífico. Sem poder conter-se, quis logo abrir a maravilhosa caixa, mas foi impedida pelo autor do presente.
  — Não, minha  filha,  não  faça  isto! É  para  ser mantida  sempre  assim,  hermeticamente fechada.
          — Herpétia o que, poderoso deus? — disse Pandora, com um arzinho encantadoramente confuso.
          — Esqueça, querida, esqueça. Não é para ser aberta em ocasião alguma, compreendeu?
          — Sim, sim, compreendi! — disse Pandora, semicerrando os seus soberbos olhos anis.
          "Por  Júpiter,  acho  que  esqueci  de  um  pequeno  detalhe...  !",  pensou Minerva,  consigo mesma, ao analisar melhor a criatura.
          Vulcano, no  entanto, permanecia  satisfeitíssimo  com  a  sua  invenção, demonstrando  ser em tudo um pai digno da filha, menos na beleza, é claro.
          — Pode ir, minha menina, vá em paz — disse Júpiter, despedindo-se dela com um aceno.
          No mesmo  dia,  os  dois  presentes  chegaram  às mãos  de Epimeteu,  que  não  sabia  qual deles admirar mais. Mas em breve fez logo a sua escolha: nada podia ser mais admirável do que aquela encantadora criatura que se chamava Pandora.
          Entusiasmado,  Epimeteu  decidiu  instalá-la  em  seu  quarto.  Depois  que  ele  havia  se retirado, Pandora pegou sua caixa dourada e prateada e pôs-se a examiná-la detidamente, virando-a de todos os lados. Seus olhos azuis refletiam todo o brilho do magnífico receptáculo.
          —  O que haverá aí dentro? — disse baixinho, refrescando o AR com seu hálito balsâmico. Por várias vezes a encantadora Pandora hesitou  se abria ou não a  fantástica caixa. Mas, depois, depositando o precioso objeto ao lado do travesseiro, adormeceu profundamente.
          Sonhou então que de dentro da caixa saíam, como por mágica, cavalos alados da cor do mar  e  aves  luminosas de diversos  tons  esmeraldinos. Dos bicos prateados das gigantescas aves originava-se uma canção de magnífica beleza, que a  enterneceu  até o  âmago mais profundo da alma. Homens  e mulheres  abraçavam-se nus,  em pleno  ar,  ao  som desta  canção  embriagadora, misturando-se àquelas criaturas de tal modo, que pareciam ter asas como elas.
          Despertando  com  aquele  SONHO maravilhoso,  Pandora  estendeu  a mão  imediatamente para o seu presente. Não podendo mais conter o seu desejo, ergueu a tampa numa volúpia insana de curiosidade que lhe pôs na espinha um arrepio gelado.
          Nem bem  ergueu um pouquinho  a  tampa dourada, Pandora  sentiu-a  ser  arrebatada das mãos,  caindo ao chão,  longe da  cama. Assustada,  ainda assim manteve o objeto preso  entre  as mãos. Pandora viu escapar de dentro da caixa algo a princípio sem forma. Parecia que todos os ventos  do mundo  se  escapavam  desordenadamente  dali,  na  pressa  da  fuga.  Imediatamente  um deles tomou a forma de uma caveira volátil, parecendo toda feita de CRISTAL e de vento. Tomando uma dimensão assustadora, a caveira aproximou seu rosto brilhante do rosto da pobre moça, que tremia de medo. Podia sentir na face o bafo mortalmente gelado que passava por entre os dentes de gelo, completamente arreganhados, da horrenda caveira.
          Por  alguns  instantes  aquela  face  terrível  a mirou  com  suas  órbitas  vazias,  estudando-a sempre com seu sorriso de vidro. Depois seus maxilares bateram repetidas vezes, um de encontro ao outro, aumentando cada vez mais o  ritmo a um ponto  tal que ela somente podia ver aquela fileira  transparente de dentes martelando-se uns  aos outros, parecendo  inevitável que  se  fariam em pedaços diante de seus olhos atônitos.
          Algo parecido a uma gargalhada escapava por entre os rápidos intervalos das batidas dos maxilares, que  ela não  sabia precisar  se  era um  gargalhada de  escárnio ou um  lamento de dor. Pandora  estava  prestes  a  desmaiar,  quando  a  caveira  foi  se  tornando  gasosa  outra  vez, transformando-se num grande  e gelado vapor que  fugiu pela  janela do quarto, perdendo-se no mundo.
          Depois surgiram vários rostos deformados, cobertos de pústulas, que se erguiam da caixa como  se  fossem o  retrato horrendo da Doença. Depois de  assoprarem  sobre  seu  rosto o bafo doentio  das  febres  renitentes,  arremessaram-se  também  pela  janela  atrás  da  primeira  criatura, finalmente libertas. Dentre as tantas criaturas que escaparam da caixa, Pandora teve o desgosto de ver personificados todos os vícios que viriam a acometer no futuro a alma humana.
          A  Inveja  lhe  apareceu,  assim,  sob  a  forma  de  uma mulher  velha,  cujos  cabelos  finos  e prateados  como  teias  de  aranha  esvoaçavam  ao  ar. De  dentro  dessa moita  prateada,  aranhas negras teciam freneticamente com as patas negras mais e mais fios, de tal forma que uma nuvem esfiapada  cobria  a  cabeça  inteira  da  velha  hedionda.  Seus  olhos  amarelos,  raiados  de  sangue, fuzilavam aquele belo rosto que, sabia, jamais teria igual. Da boca escapou uma baba verde, que lhe  escorria  pelo  queixo  em  cordas  pendentes.  Com  elas  a  velha  teceu  uma  corda musgosa  e nojenta,  com  a  qual  envolveu  o  pescoço  de  Pandora,  decidida  a  estrangulá-la. Algo,  porém,  a impediu  de  completar  seu  ato. Dando  um  grande  uivo  de  raiva,  ela  recuou  para  trás. Depois ergueu a mão ossuda no AR e, franzindo os dedos como quem agarra algo, sacudiu-a em direção ao  seu  alvo, Pandora.
Depois,  arremessou-se  subitamente  pela  janela,  dando  um  silvo  agudo  e penetrante.
          A Gula,  sob a  forma  rotunda de uma mulher  imensamente nua, escapou-se  também da caixa. Suas banhas e graxas sacudiam, caindo umas por cima das outras, em grossas camadas. De toda ela escorria um  suor pegajoso, como  se  suasse azeite por  todos os poros. Suas bochechas pareciam prestes  a  explodir,  e de  seus olhos  escorria uma graxa amarela  e malcheirosa, que  ela lambia com furor assim que lhe chegava aos lábios inchados.
          Pandora,  embora  aterrorizada,  não  conseguia  fechar  a maldita  caixa,  involuntariamente fascinada com o que assistia, sem saber como pudera desencadear tantas desgraças. Lançando-se de  joelhos  ao  chão,  encontrou  finalmente  a  tampa  caída  a  um  canto. Enquanto  rastejava  para alcançá-la  sentia  rodopiar  acima  de  si  uma  legião  de  demônios —  a Avareza,  a Arrogância,  a Crueldade, o Egoísmo, todos os vícios e defeitos humanos dançavam uma ciranda infernal sobre a sua cabeça, até que, arremessando-se à caixa, conseguiu finalmente fechá-la.
          Mas o mal já estava feito. Percebendo que nada ficara lá dentro, olhou ainda uma vez para o fundo da caixa fatídica. Um rosto maravilhosamente belo e eternamente  jovem, no entanto, a observava dali.
          — Quem é você? — disse Pandora, ainda temerosa.
          — Eu sou a Esperança — disse simplesmente o belo rosto.
          Foi carregando esse valioso presente que Pandora se apresentou diante dos homens.

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